Lisboa em Azulejo

01. INTRODUÇÃO

Desde as primeiras notícias sobre a existência de um painel de azulejos representando a cidade de Lisboa vista do Tejo, oriundo do palácio dito de Santiago (fig. 1), situado na freguesia homónima à Sé, que a questão da datação tem sido equacionada (Vieira da Silva, 1932).

Como é notório, a questão da datação em história da arte é sempre um ponto fulcral para um melhor entendimento da própria obra que se analisa, nos seus pressupostos histórico-culturais e técnicos, na sua desejável atribuição a um pressuposto autor. Neste caso específico do "Grande panorama de Lisboa", esta questão ganha relevância acrescida, pois a cidade que é representada devolve ao observador um retrato de um tempo, fixando para a posteridade um dado momento da vida da urbe, tornando-se assim na principal interrogação durante a abordagem analítica do painel.

A resposta a esta questão primeira permitirá em fase posterior desenvolver toda uma leitura mais completa e integrada da obra. Por este motivo, qualquer aproximação e interpretação iconográfica de conjunto que se intente realizar sobre o "Grande panorama de Lisboa" terá de partir obrigatoriamente de uma visão, a mais apurada possível, da sua provável e aproximada datação. A miríade de edifícios representados, civis e religiosos, os equipamentos urbanos como fortes, baluartes, chafarizes, armazéns e casario em geral apresentam características próprias, sendo que a data de construção de alguns deles, afortunadamente, tem sido confirmada pelas fontes escritas.

Deste modo, a questão da datação do painel revela-se determinante não só para uma apreensão da feição da cidade no tempo da sua representação, mas igualmente, e como acima referíamos, para a procura de uma autoria para a obra.

Todo o trabalho desenvolvido pelos estudiosos do "Grande panorama de Lisboa", de entre os quais salientamos o de José Meco como um dos mais minuciosos e ainda actuais, tem sido elaborado no sentido da fixação de uma data para a sua execução, a partir da análise cuidada dos edifícios nele representados, sublinhando aqueles ausentes (Meco, 1994, pp. 85-113).

Como fica dito, Vieira da Silva, o primeiro olissipógrafo a escrever sobre este painel e a analisá-lo depois da sua montagem no Museu Nacional de Arte Antiga, intentou uma primeira datação, baseada essencialmente no pressuposto de que o edifício que se visualizava, abaixo da Igreja de Santa Catarina de Monte Sinai, era o Hospital de S. João Nepomuceno, edifício cuja construção remontava a 1737 (Vieira da Silva, 1932, p. 252). Esta proposta de datação viria a ser recuada por José Meco ao aduzir a esta problemática, entre outros argumentos, o da ausência da representação do remate barroco da torre do Paço da Ribeira da autoria de Antonio Canevari (1681-1764), obra datada de 1728 (Meco, 1994, pp. 98-99).

Nunca será demais relembrar, embora de forma necessariamente sumária, os argumentos que José Meco apresentou no seu artigo de 1994 e reiterados no Seminário Internacional “Visões de Lisboa antes do Terramoto” e que constituem a primeira e indubitável argumentação para uma possível datação deste painel, a saber: i) a feição manuelina que apresentam as janelas do Paço dos Duques de Bragança, revelando uma representação anterior à intervenção joanina de 1712; ii) o facto da fachada da igreja dos Paulistas se apresentar em construção (que viria a ser terminada por volta de 1709-1710, segundo documentação coeva); iii) a questão da torre sineira da igreja de Santos-o-Velho, que estava ainda em construção em finais do século XVII, como referido por Ayres de Carvalho (Carvalho, 1962, p. 165) e confirmado documentalmente por Maria João Pereira Coutinho (Coutinho, 2010, p. 182).

 

 

 

in FLOR, Pedro; COUTINHO, Maria João Pereira; FERREIRA, Sílvia; FLOR, Susana Varela, "Grande panorama de Lisboa em Azulejo: novos contributos para a fixação da data, encomenda e autoria", Revista de História da Arte, nº 11, Lisboa, Instituto de História da Arte, 2014, pp. 87-105.

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