Lisboa em Azulejo

04. OS FERREIRA DE MACEDO

Sobre a figura de Álvaro Ferreira de Macedo, sabe-se que era natural de Barcelos, freguesia de São João de Chavão, casado com D. Catarina Ferreira de Abreu Barreiros, e que residiu durante alguns anos, como vimos, na rua de Mataporcos, sita na freguesia da Conceição Velha. Desse casamento resultaram alguns nascimentos com baptismos na freguesia, a saber, os de António Ferreira de Macedo (b. 2 de Setembro de 1668), de Antónia Maria (b. 4 de Maio de 1670), de Manuel Ferreira de Macedo (b. 6 de Janeiro de 1672) (Machado, 1747, p. 308) e de Valentim Ferreira de Macedo (b. 24 de Fevereiro de 1680). Já depois de ter mudado de residência para a freguesia de Santiago, conhecem-se nesse outro local de morada os assentos de outros filhos do mesmo casal: Raimundo Ferreira de Macedo (b. 4 de Outubro de 1691) e Severino (b. a 20 de Outubro de 1692), que atestam a sua fixação no local, após a referida morada de casas ter sido adquirida por seus pais, ficando por apurar, até à data, os baptismos de Vicente e Teodoro Ferreira de Macedo.

Quanto à vida profissional de Álvaro, somos levados a crer que este procurava afirmar-se junto das mais importantes instituições da época: a Corte e a Igreja, apesar de ter iniciado actividade em trabalhos de carácter mais físico, mas prestigiantes, que certamente o catapultaram para o seio da esfera comercial. Veja-se pois a circunstância de ter desempenhado o papel de moedeiro e fornaceiro da Casa da Moeda a partir de 1665, lugar de que terá desistido no ano de 1698 (Sousa, 2006, pp. 41-49). Se na qualidade de fornaceiro esteve equiparado aos cunhadores (oficiais de grande destreza física), já ao ser investido como moedeiro, com nomeação real, foi igualado aos fidalgos e cavaleiros que ocupavam idêntico lugar nessa instituição (Gomes, 1992, p. XI). Tal desempenho ter-lhe-á valido a absolvição régia num caso de perdão de uma dívida advinda de um privilégio de foro, datada de Agosto de 1685 (Silva, 1859, p. 46).

A 11 de Agosto de 1671, é-lhe passada carta de familiar do Santo Ofício que nos dá novas informações acerca deste indivíduo, morador em Lisboa, e que corrobora o facto de ser descendente de Cavaleiros. Nesse instrumento já consta como mercador, casado com Catarina Ferreira de Abreu e ambos moradores na cidade de Lisboa na dita rua de Mataporcos. É dado como natural da freguesia de S. João de Chavão, termo da vila de Barcelos, filho de Francisco Ferreira de Macedo e de Isabel Martins, naturais e moradores na já mencionada freguesia de S. João de Chavão. A sua mulher, Catarina Ferreira de Abreu, por sua vez, é apresentada como natural de Lisboa, baptizada na freguesia da Madalena, e filha de José de Carvalho e de Isabel de Abreu, ambos naturais da mesma cidade e moradores ao Pelourinho Velho.

Ao adquirir as casas de D. João Cárcome Lobo “(…) humas casas citas junto da Igreja de Sanctiago que partem com casas de Antonio de Oliveira escrivam (…) e com casas de Domingos Mesquita Teixeira (…)” pela quantia de “(…) duzentos trinta e tres mil, e tantos reis (…)” figura novamente como mercador, o que legitima o poder económico que certamente detinha para poder efectuar a compra da referida casa. Álvaro Ferreira de Macedo falece a 13 de Dezembro de 1704 na quinta de seu filho ao Lumiar, constando no seu registo de óbito que “fes huns apontamentos”.

Quanto a António Ferreira de Macedo, nascido em 1668, terá casado com D. Jerónima Maria Pimentel, viúva de Luís José da Silva, de quem terá tido descendência. Essa informação, que se encontra expressa num contrato de venda de um terreno na Carreira dos Cavalos ao desembargador Bartolomeu de Sousa Mexia, na qualidade de procurador da rainha da Grã-Bretanha, datado de 3 de Julho de 1702, torna-se fundamental para a percepção deste casamento, bem como para comprovar o bom matrimónio efectuado com a dita viúva, possuidora de casas nobres com poços de água, pomares de fruto e parreiras. A mesma informação acerca deste casamento consta já no processo de Habilitação ao Tribunal do Santo Ofício, datado de 30 de Agosto de 1696, onde a pureza de sangue de António e o facto de este ser “filho de pais de Cabedais” terá sido importante para o bom sucesso do mesmo. Aliás, quando António Ferreira de Macedo inicia o processo é dado como solteiro, constatando-se portanto que deverá ter contraído matrimónio entre Junho de 1695, data do início do mesmo, e Agosto do ano seguinte, quando o referido procedimento é dado por concluído.

Do ponto de vista profissional desempenhou os cargos de desembargador do Paço, juiz de fora das vilas de Cabeço de Vide e de Alter Pedroso, sendo nomeado ouvidor da vila de Fronteira, a pedido do marquês desse local, no ano de 1694. Com efeito, cruzando esta informação com os “Róis de Confessados” da freguesia de Santiago de Lisboa, entre 1694 e 1697, António não consta do agregado familiar de Álvaro na sobredita habitação da “Rua direita de Santiago [no] Largo assima da Igreja”.

Durante a sua vida são-lhe concedidas inúmeras mercês na vigência de D. João V, nomeadamente em 1712, 1724, 1729 e 1730, que lhe conferem o hábito da Ordem de Cristo e que o nomeiam corregedor e desembargador das ilhas. Apesar de existirem ainda algumas lacunas acerca da sua existência, voltamos a retomar o rasto deste desembargador numa renúncia ao ofício de Contador do Mestrado de S. Bento de Avis feita por Manuel Ferreira de Macedo, seu filho, onde António figura como fidalgo da casa de D. João V.

No contexto histórico das casas de Santiago que temos vindo a descrever, a família Ferreira de Macedo, mercadores de "grandes cabedais", era na transição do século XVII para o XVIII a natural responsável pela encomenda do Grande panorama de Lisboa, em particular Álvaro Ferreira de Macedo, o seu filho primogénito António Ferreira de Macedo, que aí habitou até 1693, e entre 1697 e 1702, ou ainda o segundogénito Manuel Ferreira de Macedo, que terá herdado a casa a partir de 1703, como foi anteriormente explicado.

O facto de Álvaro e António, coetâneos da encomenda do conjunto, terem feito carreiras profissionais no círculo régio, contactando com afamados mecenas artísticos da época e comanditários eclesiásticos, tal como foi formulado por Júlio de Castilho, coloca-os numa posição propícia à encomenda de obras de arte prestigiantes e que lhes poderiam conferir maior notoriedade na esfera social. A escolha de alguns dos padrinhos de baptismo dos filhos de Álvaro, onde se incluem D. Fr. Gabriel de Almeida, bispo do Funchal (padrinho de Antónia Maria), ou Roque Monteiro Paim, secretário de Estado de D. Pedro II (padrinho de Raimundo Ferreira de Macedo), e que simultaneamente os situam na órbita das grandes encomendas de arte, testemunha esta procura de ascensão no domínio do social.

 

Os significativos rendimentos provindos de trocas comerciais efectuadas com o Brasil, tal como testemunha o teor de uma carta que o governador Francisco Sá de Meneses trocou com Álvaro Ferreira de Macedo, datada de 20 de Dezembro de 1684 (Almeida, 1946, p. 446), comprova esta asserção e leva-nos a considerá-lo com perfil idêntico ao de Antoine Magnonet, o encomendador de outra grande panorâmica da cidade de Lisboa, aquela encomendada para a igreja de S. Luís dos Franceses sob o título de Nossa Senhora do Porto Seguro velando sobre a navegação comercial na barra de Lisboa (Serrão, 2009, pp. 70-71). Apesar das diferenças temporais e materiais das obras, ambas se enquadram no domínio da exteriorização pública do poder económico dos seus encomendadores. A primeira envolvida pelo sentido pio da prática devocional e a segunda reforçando a apreensão do crescimento que a cidade ia sentindo, na esfera civil e palaciana.

 

 

 

in FLOR, Pedro; COUTINHO, Maria João Pereira; FERREIRA, Sílvia; FLOR, Susana Varela, "Grande panorama de Lisboa em Azulejo: novos contributos para a fixação da data, encomenda e autoria", Revista de História da Arte, nº 11, Lisboa, Instituto de História da Arte, 2014, pp. 87-105.

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